domingo, 15 de setembro de 2013

Transferência de renda - 10 anos: dependência do Bolsa Família cresceu 155% em Fortaleza

A dona de casa Keide Martins, 29, seca as roupas do varal na esperança de que o sol a pino leve embora também as suas amarguras. Reclama da vida difícil, da penúria e pobreza. Carrega a família e os três filhos com apenas R$ 4 para consumo diário. E diz: "só não morremos de fome por conta dos R$ 134 que ganho por mês do Bolsa Família". Ela é, hoje, uma das 191.991 beneficiárias
do programa de transferência de renda. Em 2013, a iniciativa completa 10 anos de existência. E nessa década, os números de atendidos só aumentaram na Capital: a dependência cresceu 155% em Fortaleza entre os anos de 2004 (75.210) e agosto de 2013.

A cidade é 3ª capital hoje com maior adesão, perdendo para São Paulo e Rio de Janeiro FOTO: KID JÚNIOR

Dados do referido mês mostram a expansão da ação: hoje é 3ª capital com maior adesão, perdendo apenas para São Paulo e Rio de Janeiro. Fortaleza possui, conforme estatística da Secretaria do Trabalho, da Assistência Social e do Combate à Fome (Setra), 346.239 famílias catalogadas no Cadastro Único. Dessas, um pouco mais da metade está recebendo recursos (193.991 núcleos). Um batalhão de gente, mesmo assim: 1.113.542 pessoas cadastradas e 352.490 beneficiadas, maioria mulheres.

Mais de 54.500 famílias estão inseridas, agora, no programa Brasil Carinhoso. O repasse é variável (depende de vários fatores como filho, gravidez), sendo benefício básico no valor de R$ 70, concedido aos que vivem na extrema pobreza, renda mensal, por pessoa, menor ou igual a 70.

Empreendedorismo

Apesar de achar pouco, a dona de casa Keide Martins faz render cada valioso centavo, diz. E aprendeu uma lição: não pode se acomodar com essa ´graninha´. Muita gente está na luta, faz venda de cosméticos porta à porta, pinta unhas e lava roupas.

"Tem muita gente quase virando empresária", ri a moça morena, com ar sofrido, mas cheia de bom humor. Moradora do Conjunto Residencial Leonel Brizola, Grande Bom Jardim, afirma que o Bolsa Família é ´moda´ na região. "Acho que 99% dos moradores tem esse benefício por aqui", explica Keide.

E a senhora tem razão. Conforme dados da Setra, referenciados no mês passado, o Bom Jardim é hoje bairro com maior dependência dessa ação de transferência de renda, com 10.893 famílias beneficiadas. Em segundo lugar está o Mondubim com 8.172, o Jangurussu (8.097), a Granja Portugal (5.365), o Quintino Cunha (5.046), a Barra do Ceará (4.581), o Canindezinho (4.373), o Passaré (4.341) e o Vicente Pinzon (4.120) entre dez com maior filiação na cidade. E a Capital lidera no ranking regional. Entre municípios com maior demanda estão: Fortaleza (193.991), Juazeiro do norte (30.703), Caucaia (30.330 famílias) e Maracanaú (20.507).

Desafios

O titular da Setra, Cláudio Ricardo, vê com entusiasmo esses dez anos de programa. Mas, confessa: "estamos avançando, sim, mas não estamos conseguindo reduzir a pobreza extrema, as vulnerabilidades são grandes, as desigualdades também. Mas temos melhorado agindo para que pelo menos as pessoas não morram de fome". Para ele, a dignidade é uma conquista lenta e diária. Conforme o gestor, o maior desafio, hoje, é tentar reduzir as desigualdades de uma cidade apartada, desigual, diz.

"Se não fosse esse programa, estaríamos em uma situação bem mais complicada. No Interior, por exemplo, o povo estaria morrendo com a seca", declara o titular da Setra. E, segundo o gestor, muitas são as melhorias: manutenção de crianças e adolescentes na escola, acesso a serviços e bens de consumo; uma nova geração surge do ponto de vista de algumas relações sociais, empoderamento financeiro de mulheres; acesso a experiências de inclusão produtiva e associativismo; participação em processos de formação profissional. "Temos uma primeira geração que nasceu com a influência do programa. As pessoas não se acomodaram, nem se viciaram, seguem a vida na luta diária contra pobreza", finaliza Ricardo.

Estado
A ação se torna mais estratégica, principalmente em anos de seca, segundo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), pela penúria no sertão. Em agosto, Bolsa Família foi pago a 1.088.005 famílias cearenses, repasse total de R$ 166.872.030. Desses beneficiados, 1.762.650 são homens e outras 2.078.577 mulheres.

O novo secretário estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), Josbertini Virgínio, diz que irá trabalhar para incluir os cearenses nas vagas de trabalho a fim de tentar buscar portas de saída para o Bolsa Família.
Capital marcada pela desigualdade

Várias cidades dentro de uma só. Umas mais ricas, outras tão descalças. E nesses contrastes, Fortaleza aparece como uma das capitais com pior distribuição de renda entre as cidades da América Latina, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). Segundo a ONU, riquezas produzidas representam 0,8% do total produzido do País.

Daí, a necessidade tão grande de um programa que faça com que as pessoas sobrevivam, não morram de fome. Assim afirma o André de Menezes, assistente Social, mestrando em Planejamento e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Conforme Menezes, dez anos para uma política se consolidar é tempo ínfimo, principalmente na área social. "Mas a estratégia da transferência de renda tem surgido efeitos significativos numa sociedade marcada historicamente pela desigualdade", aponta. Entretanto, pondera: transferir renda não é distribuir renda, não é desconcentrar.

Para ele, os efeitos do acesso aos benefícios (que variam de R$ 32 a R$ 306, ampliados, em alguns casos) tem causado alguns impactos sociais, econômicos e também culturais. Sobre os próximos dez anos? André de Menezes diz que cabe à gestão promover ações de melhoria de acesso na Educação, Saúde e Assistência Social, avaliando-os, inclusive, garantindo experiências de ampliação de empregos, substituindo a condição de beneficiário, combatendo a desigualdade. "Outros vários dez anos são necessários", finaliza Menezes.

IVNA GIRÃO

REPÓRTER

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Compensatória ou necessária?

O programa do governo federal Bolsa Família completa agora 10 anos. E o que isso significa para a sociedade brasileira? Como não poderia deixar de ser, a pergunta é bastante polêmica e envolve discussões diferentes e divergentes. Assim, vamos apresentar algumas questões no que se refere as dificuldades da autonomia, dinheiro e cidadania.

Enquanto maior programa de transferência condicionada de renda do Brasil, atualmente com 13,8 milhões de beneficiários, o Bolsa Família apresenta-se, no cenário contemporâneo, como o principal componente do Sistema de Proteção Social Brasileiro. No entanto, algumas questões devem ser suscitadas em relação as possibilidades de efetividade dessa política, no que diz respeito a redução da pobreza no Brasil.

Primeiramente, pela renda não se constituir como um direito social positivado constitucionalmente, fato que acarreta implicações para a autonomia e cidadania, pois restringe a proteção social a indivíduos e famílias. Enquanto programa, o mesmo possui critérios de elegibilidade, recortes de renda e inserção limitada à disponibilidade orçamentária. Isso, acrescido da diversidade dos valores dos benefícios, não permitindo assim que todos os brasileiros que estão dentro dos critérios de renda sejam inseridos, variando de acordo com os interesses de cada conjuntura e governo.

Diante disso, estamos criando inserções enganosas através de políticas compensatórias mas, sem dúvida, necessárias, dado ao grau de destituição das nossas famílias cearenses. No entanto, estas só conferem e legitimam os pobres por meio de benefícios que não constituem legítima apropriação social dos resultados da riqueza socialmente produzida.

Leiriane Araújo
Conselheira do Cress - 3ª Região/CE
 
 
 
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Gomes Silveira
Da Redação
Fonte:DN

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