Contando
com imaginação e carinho pelo homenageado, este belo documentário nos
mostra como, das situações mais adversas possíveis, pode surgir um homem
com um talento inimaginável.
Em
1878, no Crato, nasceu Aderaldo Ferreira de Araújo, o homem que viria a
ser conhecido posteriormente como Cego Aderaldo. Criado na cidade de
Quixadá, Aderaldo sofreu diversas provações em sua vida, perdendo o pai e
sua visão ainda na juventude. Isso, no entanto, foi só o começo de sua
história, que culmina em sua consagração como um dos baluartes da
cultura do nordeste brasileiro.
A
fascinante história do Cego Aderaldo, grande expoente da cantoria
poética nordestina na primeira metade do século XX, é exposta para o
público pela ótica peculiar do cineasta cearense Rosemberg Cariry neste
documentário “Cego Aderaldo – O Cantador e o Mito”.
Acometido
pela cegueira e pobreza durante sua juventude, Aderaldo não deixou que
essa triste condição o abalasse. De uma vida repleta de provações,
surgiu um grande campeão da arte, capaz de transformar seus dissabores e
alegrias em uma inspiradora poesia. A importância e a influência de
suas obras era tal que, quando em idade avançada, suas viagens às
capitais eram manchetes de jornais.
Para
compor o longa, Cariry tinha de vencer um obstáculo complicado: a parca
quantidade de materiais de arquivo sobre Aderaldo. Muitas das
informações sobre ele sobreviveram esses quase cem anos apenas por meio
de fontes orais, misturando um pouco fato e lenda. O diretor, então,
buscou certa inspiração no biografado e usou sua imaginação para sair do
proverbial escuro.
Somos
então levados para uma viagem de 78 minutos pela vida pessoal e
artística de Aderaldo, isso por meio de uma inteligente mistura de
raríssimos materiais de arquivo, entrevistas com aqueles que foram
tocados pelo poeta, breves trechos docudramáticos e utilização lírica de
filmes clássicos de diretores como Luís Buñuel e F.W. Murnau.
A
utilização de breves momentos de fitas como “Um Cão Andaluz” e
“Fausto”, embora cause certo estranhamento inicial, logo este se
justifica. Afinal, Aderaldo não apenas desempenhou papel significante
para o reconhecimento e a evolução das canções e poesias típicas do
nordeste, mas também para a expansão do cinema pelo interior da região,
levando salas de projeções itinerantes e atuando como explicador, sendo,
apesar de sua deficiência, um entusiasta da então nova mídia.
A
despeito de ter caído em um relativo esquecimento junto ao público dos
grandes centros urbanos, o Cego Aderaldo é um dos grandes heróis do
nordeste brasileiro, formando um verdadeiro triunvirato ao lado de nomes
como Padre Cícero e Lampião, com quem teve relações de amizade e
protagonizam um dos momentos mais marcantes da película.
As
entrevistas não só conseguem expor muito bem quão influente o
homenageado é, como também nos mostram um pouco de sua privacidade.
Desnecessário falar da trilha sonora que traz os versos e desafios de
Aderaldo muitíssimo bem interpretados, para o deleite de novos e antigos
admiradores.
Nada
mais justo que o cinema prestar a devida homenagem a este verdadeiro
titã da cultura, cuja generosidade o fez adotar 26 filhos e partilhar
com o mundo seu talento. Sua história sobreviveu e ganhou contornos de
mito graças à tradição dos contos orais e dos cordéis, tendo este ótimo
filme resgatando-a para uma nova geração.
“Meus prantos se enxugaram.
Das lágrimas que corriam
Chegou-me a poesia
E eu me consolei.
Sem pai, sem mãe, sem Vista,
Meus olhos se apagaram;
Tristonhos se fecharam
E eu nunca mais chorei”
(Trecho de “As TrêsLágrimas”, de Cego Aderaldo)
Das lágrimas que corriam
Chegou-me a poesia
E eu me consolei.
Sem pai, sem mãe, sem Vista,
Meus olhos se apagaram;
Tristonhos se fecharam
E eu nunca mais chorei”
(Trecho de “As TrêsLágrimas”, de Cego Aderaldo)
Esse filme fez parte da programação do 22º Cine Ceará, em junho de 2012.
___Thiago
Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do
RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro
do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e
História e Estética do Cinema.
Cinema com Rapadura
Postada:Gomes Silveira
Fonte:Revista Central
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