O ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) disse que "dificilmente" voltará a disputar eleições, e alfinetou antigos aliados políticos após o insucesso no pleito de 2022.
"Fui desistido. Não é bem que desisti, não. Quando eu saía de uma eleição difícil, quase impossível, com 12% (dos votos), achava que não tinha direito de desertar da expressão daquilo. Quando aconteceu aquilo (eleições de 2022), da forma que foi, me senti asfixiado por aqueles por quem lutei a minha vida toda. De repente senti: estou fazendo isso sozinho. Em nome de quê?", disse.
As declarações foram feitas pelo pedetista em entrevista à GloboNews nesta sexta-feira (29), expondo antigos problemas após o desempenho nas eleições de 2022.
Na ocasião, o então presidenciável terminou na quarta posição com apenas 3,04% dos votos válidos - o pior resultado dele até então no pleito.
"Tenho êxito na política, só não consegui ser presidente do País. Deus não quis",disse Ciro na entrevista. Depois de afirmar que "dificilmente" entraria em disputas novamente, reafirmou: "Eu vou seguir lutando, mas disputar eleição não quero mais não".
Antes candidato em 1998, 2002 e 2018, a eleição do ano passado ficou marcada pela forte polarização entre o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o então mandatário que tentava a reeleição, Jair Bolsonaro (PL). Nessa perspectiva, surgiu um movimento que buscava o chamado "voto útil".
Ciro criticou a tentativa de fazê-lo desistir de se candidatar nas últimas eleições. Nas últimas eleições, apoiadores de Lula e artistas fizeram uma campanha para tirar votos do pedetista, em ação nomeada de #tiragomes.
O objetivo era estimular o voto útil no petista para derrotar o ex-presidente Bolsonaro. Ciro na época chamou o movimento de "terrorismo eleitoral".
À GloboNews, o ex-governador do Ceará criticou artistas que apoiam Lula, apesar de concessões feitas ao Congresso.
Ciro citou repetidamente as emendas parlamentares liberadas pelo governo como exemplo de falhas da gestão federal. Diante disso, o cearense afirmou que perdeu "a crença e o entusiasmo na linguagem eleitoral brasileira".
"O que me causou um constrangimento e me fez perder a vontade de disputar minhas ideias eleitoralmente são as mediações. Como vou explicar isso aqui (suas ideias de governo) para o povão se não tiver um conjunto de pessoas equipadas pelo privilégio de serem artistas, intelectuais, cientistas, líderes estudantis, lideranças sindicais? Essa gente toda está batendo palma para a destruição do meu País, para o apodrecimento da República. O cinismo perdeu o pudor. Fala-se: o Congresso é assim."
Ciro criticou Lula por, segundo ele, agravar a "relação podre, corrupta, fisiológica e clientelista" com o Congresso. Em agosto, o petista se tornou o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um único mês.
Para o ex-governador, este é um sinal de que a negociação com os deputados e senadores continua da mesma forma que ocorria com Bolsonaro, quando revelou-se o esquema das emendas de relator, conhecidas com o nome de "orçamento secreto".
"Enquanto isso, nossa elite, de forma cínica, diz: se não assim, como faria?", questionou Ciro, propondo a adoção de plebiscitos para resolução de disputas entre Executivo e Legislativo.
O ex-ministro disse crer que a verba que os parlamentares ganham com emendas acaba com a equidade na disputa política. "Não se elege mais uma pessoa jovem, uma pessoa séria no País. Estamos ensinando aos jovens que a política é assim?", reclamou.
Ciro diz que Brasil está em ‘decadência franca’ sob governo Lula
O ex-governador do Ceará criticou a atuação do Governo Federal em diferentes áreas, como a economia (Ciro foi Ministro da Fazenda em 1994 durante o governo do presidente Itamar Franco) ao meio ambiente, passando por segurança, educação e tecnologia.
Para ele, Lula "perdeu o pulso faz tempo" e o País está em "decadência franca" há anos. Ciro disse acreditar que as políticas públicas não mudaram muito desde a gestão passada.
"É muito melhor criticar um governo como o do Lula, do que um governo como o do Bolsonaro, mas vamos ficar amarrados nessa âncora mortal? Ao invés de comparar as coisas com o passado, eu comparo com a promessa que foi feita, que está muito longe de ser atendida, e com as condições objetivas de fazer diferente, que eu sei que poderia ser."
Outra área de atuação do governo criticada por Ciro foi a da política externa. Para ele, o Brasil deveria voltar seus olhos à resolução de conflitos e tensões na América Latina.
"Lula está buscando ser um pop star, uma celebridade internacional, a falar bobagens em assuntos externos complicados e complexos. Fui ao Parlamento Europeu e o que eu ouvi me obrigou a defender o Lula, de tanta bobagem que ele falou. Lula só se preocupa com a paz onde a imprensa está olhando."
Disputa no Ceará
Embora tenha dado declarações ácidas contra o Governo Lula, Ciro sequer mencionou na GloboNews o embate com o irmão, o senador Cid Gomes, herança da disputa pelo poder nas eleições de 2022.
Um dos pontos altos da briga entre os irmãos Ferreira Gomes foi uma discussão acalorada, com direito a ameaça de Cid de sair do PDT - o que se confirmou posteriormente - e troca de ofensas do senador com Ciro Gomes.
A sucessão no Governo do Ceará foi o ponto-chave para desencadear o embate entre os dois irmãos. Enquanto Cid preferia que a então governadora Izolda Cela, à época no PDT, fosse candidata à reeleição, Ciro apadrinhou o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio.
Isso ocasionou o rompimento da parceria PT-PDT, que durava 16 anos, desde a primeira eleição de Cid como governador, e isolou Ciro no cenário local, ao lado de Roberto Cláudio. Já o senador continuou aliado do grupo hegemônico, agora liderado pelo ministro da Educação, Camilo Santana.
Os dois estão em lados opostos no momento. Enquanto o ex-ministro da Fazenda permanece no PDT, Cid já desembarcou do partido, levando consigo dezenas de prefeitos, deputados e demais políticos do Ceará.
O destino de todos eles deve ser o PSB, legenda na qual Cid foi eleito e reeleito governador do Estado, em 2006 e 2010, respectivamente, e no qual Ciro venceu a disputa para ser deputado federal.
Atualmente, a sigla pertence à base aliada do Governo Lula, principalmente através da figura do vice-presidente Geraldo Alckmin.
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