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quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

PREFEITO DE CHORÓ - 'Diga ao padre aí que comece a pedir voto': entenda esquema de compra de votos no Ceará investigado pela PF

Arremessado em um espelho d’água para ser danificado, o celular do prefeito eleito — e foragido — de Choró, Bebeto Queiroz (PSB), não só foi recuperado pela Polícia Federal (PF) como virou peça central para desvendar um possível esquema criminoso de desvio de emendas parlamentares e compra de votos no Ceará. Para os investigadores, as conversas mantidas entre o político, os aliados e alguns eleitores não deixam dúvidas de que o prefeito cometeu abuso de poder econômico por meio da compra de votos.

Nas mensagens, a PF identificou dezenas de transferências de recursos financeiros de Bebeto e de aliados para eleitores e candidatos. Em das conversas, o prefeito conversa com um tenente da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e pede ao servidor público que oriente um padre a pedir voto para um aliado.

Diário do Nordeste teve acesso ao relatório da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), feito a partir de uma investigação da Polícia Federal, que esmiúça as evidências colhidas até agora sobre o esquema criminoso. As informações do documento estão sendo publicadas em uma série de reportagens desde segunda-feira (13). O inquérito foi aberto em setembro do ano passado. 

“Diga aí ao padre”

Conforme revelou o Diário do Nordeste na última terça-feira (14), o policial rodoviário teria ajudado Bebeto Queiroz a viabilizar o esquema criminoso de compra de votos. Em um dos diálogos obtidos pela PF, o tenente diz ao prefeito que estará na coordenação da região do Sertão Central de 24 de setembro a 7 de outubro de 2024 (período que englobava as eleições) e que afastou o “PM” dos plantões na região.

Os registros de conversa entre os dois vão de 3 a 27 de setembro. Ao longo dos dias, o tenente se refere a Bebeto como “grande líder” e sempre reforça que está à disposição do político. 

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Em 22 de setembro, Bebeto agradece ao agente “por todo apoio” e acrescenta: “Até o dia 6... a eleição é nossa”. Três dias depois, o político diz que deu o nome do tenente a um “parceiro” de Orós. “Ele passa muito nessa cancelazinha de Quixadá aí, se precisar de alguma coisa dá o teu apoio aí, gente muito boa”. 

Em seguida, ele manda um áudio: “Diga ao Padre aí que comece a pedir voto pro nosso amarelinho Jardel”, diz em referência ao candidato vitorioso em Canindé. A conversa entre os dois tem ainda o tenente enviando o currículo de um homem para Bebeto, sugerindo a contratação como motorista de ambulância.

Diante das conversas, a PF aponta que a relação entre os dois ocorreu “com troca perigosa e suspeita de favores”.

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‘Possível compra de votos’

Em outra conversa obtida pela PF, Bebeto troca mensagens com um político aliado na cidade de Morada Nova. O homem pede “20 contos” para uma “operação” no dia seguinte em Aruaru, distrito da cidade. O político revela uma preocupação com o resultado de pesquisas, que mostram uma queda de apoio na região. “Nós vamos dar um arrocho neles, me ajude naquilo que eu lhe pedi, ajude seu amigo”, disse o aliado. Em resposta, Bebeto pede paciência. “Eu tenho mais de 100 mil de despesa hoje”, completou o prefeito atualmente foragido.

Em alguns diálogos, Bebeto conversa diretamente com eleitores, que pedem dinheiro. Um deles, há cinco dias das eleições, faz apelo por uma “ajuda” para quitar a escola do filho. “Estava com vergonha de mandar mensagem... Porque o nosso salário aqui está atrasado e a escola do meu menino está atrasada 2 meses… Aí eu ia pedir uma ajuda ao senhor pra mim poder quitar a escola dele (...) a família tudinho vota no senhor (...) quando é assim em época de política, nós se ajunta todo mundo pra votar num candidato só, entendeu”, pediu o eleitor.

Logo em seguida, Bebeto Queiroz enviou o comprovante de uma transferência de R$ 300.

Em outra conversa, um homem pede “uma assistenciazinha” ao prefeito. Neste caso, Bebeto orienta que o eleitor procure sua irmã, Cleidiane de Queiroz Pereira, que também é investigada. “Ela vai ver o que pode fazer e lhe dá uma forcinha”, conclui.

Entenda a investigação

A investigação que pesa contra Bebeto Queiroz partiu de uma denúncia feita pela agora ex-prefeita de Canindé, Maria do Rosário Araújo Pedrosa Ximenes (Republicanos). Em depoimento ao Ministério Público do Ceará (MPCE) ainda durante a campanha eleitoral do ano passado, ela disse que, além de Bebeto, a irmã dele, Cleidiane de Queiroz Pereira, e o vigia e suposto empresário Maurício Gomes integravam uma rede criminosa que operava por meio de ameaças a adversários e ofertas de "vantagens materiais e financeiras a eleitores em troca de votos". 

Segundo ela, o grupo agia "no sentido de oferecer dinheiro — oriundo de atividades ilícitas dado o envolvimento em licitações em vários municípios deste Estado do Ceará através de empresas constituídas em nome de 'laranjas' — para políticos com atuação em Canindé/CE, dentre os quais vereadores e o candidato ao cargo de prefeito 'Professor Jardel', para que assim pudessem manejar recursos em meio à campanha eleitoral além dos limites de gastos estabelecidos e fixado para os candidatos no pleito de 2024".

A PF agora apura se o esquema atingiu também outras cidades do Estado. Segundo Maria do Rosário, que denunciou o esquema, a atuação do grupo chegou a 51 municípios e teria movimentado um montante de até R$ 58 milhões para fins ilícitos.

As investigações apontam ainda que o deputado federal Júnior Mano (PSB) teria papel central no esquema. Por conta da suspeita de envolvimento do político, que tem foro privilegiado, o caso foi alçado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e distribuído para o gabinete do ministro Gilmar Mendes. 

De acordo com a denunciante, a base do esquema era o repasse de emendas parlamentares do deputado Júnior Mano para municípios cearenses. Nas Prefeituras, os valores eram desviados para empresas comandadas por “laranjas” e usados para comprar votos.

Prefeito foragido

Bebeto Queiroz foi alvo da operação  Mercato Clauso, da PF, no último dia 4 de outubro. Em 22 de novembro, foi a vez do Ministério Público do Ceará (MPCE) sair às ruas para investigar suspeitas de irregularidades em contratos feitos pela Prefeitura de Choró. À época, o prefeito eleito Bebeto Queiroz foi considerado foragido pela Justiça, mas se entregou à Polícia Civil no dia seguinte. Ele chegou a ficar 10 dias detido, mas foi liberado. 

No entanto, no dia 5 de dezembro, o político voltou a ser alvo da operação Vis Occulta, um desdobramento da operação Mercato Clauso. Bebeto não foi localizado pelos agentes federais, portanto, é considerado foragido.

Defesa

Em nota ao Diário do Nordeste, a assessoria de comunicação do deputado Júnior Mano disse que a investigação conduzida pela PF tramita sob segredo de justiça, por isso não pode se manifestar sobre o caso. 

“O deputado federal Júnior Mano reafirma seu compromisso com a legalidade, estando à disposição das autoridades policiais e judiciais para o completo esclarecimento dos fatos. A defesa confia que, ao término da investigação, sua inocência será plenamente reconhecida e informa que todas as manifestações serão realizadas exclusivamente nos autos do processo”, concluiu.

Também em nota, a Prefeitura de Mombaça disse que o contrato com a MK Serviços, Construções e Transporte Escolar foi realizado “de maneira totalmente transparente e em estrita conformidade com a legislação vigente, especificamente a Lei Federal nº 14.133, através de um procedimento licitatório na modalidade de Concorrência Pública Eletrônica”. “Não houve qualquer indício de fraude ou outro ilícito”, acrescentou a gestão municipal.

O município ainda reforçou que a obra contratada com a empresa começou após o período eleitoral. “Apesar da formalização do contrato, não houve qualquer tipo de pagamento à empresa MK, pois o contrato foi devidamente rescindido sem gerar qualquer ônus para os cofres públicos”, concluiu.

A Prefeitura de Alto Santo disse que “o único contrato que tal empresa teve com o município foi para construção de quadras poliesportivas, onde se habilitou e ganhou o processo licitatório seguindo todos os critérios e normas legais”. A gestão acrescentou que os pagamentos foram feitos após medições e fiscalização da equipe de engenharia. “Em relação a emendas, o município de Alto Santo nunca recebeu nenhum centavo destinado pelo deputado Júnior Mano”, finalizou.

A Prefeitura de Guaiúba informou que teve três contratos com a empresa MK Serviços, Construções e Transporte Escolar. Um para reformar uma quadra poliesportiva, outro para reformar e ampliar uma escola e um terceiro para pavimentação asfáltica. Segundo o município, as duas primeiras estão concluídas, em uso pela população e pagas com recursos próprios do município. A terceira obra está 80% concluída e é fruto de um convênio com o Governo do Estado.

“Para efeito de transparência, informamos que a empresa concorreu por meio de processo licitatório cumprindo todos os requisitos dispostos em lei”, concluiu, em nota, a gestão municipal.

Em nota, a Prefeitura de Itaitinga informou que a obra executada pela MK no município está em fase final, com previsão de entrega para março deste ano.

"A obra em questão foi custeada integralmente com recursos próprios do tesouro municipal de Itaitinga, não sendo beneficiada por qualquer tipo de emenda parlamentar, seja de ordem estadual e/ou federal", finalizou.

A atual gestão municipal de General Sampaio disse que "ainda está em processo de transição" e foi surpreendida com a informação do contrato com a MK.

"A Administração decidiu cancelar imediatamente a parceria, a fim de garantir a transparência e a boa gestão pública. É importante esclarecer que a Administração Municipal atual desconhecia qualquer envolvimento da referida empresa em atividades ilegais, tendo em vista que o serviço contratado vinha sendo executado, conforme repassado pela equipe de transição", informou.

Em nota, a prefeitura de Iracema disse que, em 2023, a MK venceu uma disputa licitatória para a contratação de serviços de instalação de aparelhos de refrigeração. A gestão formalizou sete contratos relativos a 50% do valor total licitado para o ano de 2023 e o restante dos 50%  no ano 2024. 

"Todavia, tais contratos não foram executados (nunca houve demanda), consequentemente, não se gerou qualquer despesa ao município. "Além disso, a Prefeitura Municipal de Iracema afirma que não possui controle acerca do ganhador de seus procedimentos de licitação, e nem poderia, uma vez que é livre a participação de todos", concluiu.

A Prefeitura de Juazeiro do Norte informou que, ao saber sobre a investigação, determinou a "abertura de um processo administrativo pela Controladoria Geral do Município. Além disso, estão sendo enviados ofícios à Polícia Federal e aos demais órgãos responsáveis para obter informações e verificar se há recomendações específicas para os municípios que possuem contratos com a empresa citada". O município reforçou que não recebeu emenda parlamentar do deputado Júnior Mano.

A Prefeitura de Russas disse que "não houve qualquer indício de irregularidade quanto à contratação da empresa MK Serviços". A gestão acrescentou que não há "citação e/ou intimação em processo judicial até o momento que venha a colocar nossa cidade como alvo das investigações noticiadas". "Entretanto, reforçando nosso compromisso com a transparência e a boa gestão dos recursos públicos, informamos que já está em andamento um novo processo licitatório que tem como objeto a contratação de empresa para realizar as atividades atualmente prestadas pela MK Serviços", concluiu.

Todas as prefeituras mencionadas na reportagem foram procuradas, o espaço está aberto para manifestações. Companheiro de chapa de Bebeto, o vice-prefeito eleito de Choró, Bruno Jucá Bandeira, foi procurado pela reportagem, mas não houve retorno. A PRE também foi procurada, mas não comentou o caso.

Tanto Júnior Mano quanto Bebeto Queiroz são investigados pela Polícia Federal (PF)

Legenda: Tanto Júnior Mano quanto Bebeto Queiroz são investigados pela Polícia Federal (PF)
Foto: Reprodução/Instagram Bebeto Queiroz

COM INFORMAÇÕES DN

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