Há cerca de duas semanas, ataques a provedoras de internet no Pecém, em São Gonçalo do Amarante, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), jogaram luz sobre a movimentação de organizações criminosas no sentido de dominar o serviço de telecomunicações em algumas localidades, possivelmente aos moldes do que já ocorre no Rio de Janeiro.
Os últimos acontecimentos podem provocar uma debandada no setor, com impactos principalmente sobre as pequenas provedoras, avaliam especialistas e pessoas do setor ouvidas pela reportagem. A maioria, temendo represálias, pediu para não ter o nome divulgado.
Somente na última terça-feira (11), em Caucaia, foram registrados pelo menos três crimes: fios de poste cortados, um carro apedrejado e uma loja alvejada a tiros. Nos últimos dias, carros foram atacados e outras duas lojas foram atacadas em Fortaleza e Região Metropolitana.
Uma fonte ligada a empresas da área e que optou por não ser identificada neste texto revela que as organizações criminosas têm exigido dos empresários até 60% do valor da mensalidade de cada cliente de internet para permitir a operação da provedora em determinadas localidades. "Invadem lojas, queimam carros".
Além disso, ele estima que os prejuízos às provedoras menores nos últimos 20 dias permeiam os R$ 500 mil e que empresários e trabalhadores vivem com medo. "Fora o prejuízo emocional. Ninguém tá conseguindo dormir".
Ceará tem 511 provedoras, segundo a Anatel
De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 511 provedoras de internet banda larga fixa atuam no Ceará, sendo que três empresas detêm mais da metade do mercado (52,6%). Apesar dos números da Anatel, fontes estimam que há mais de 1,2 mil provedoras operando no Estado.
Basílio Perez, conselheiro da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), corrobora que, “infelizmente" a situação pode levar ao fechamento de empresas, "sobretudo as menores”.
Os provedores se autofinanciam, fazendo suas próprias redes, adquirindo clientes e colocando mais equipamento usando o próprio lucro. Geralmente eles não têm financiamentos de bancos ou agências que possam ajudá-los na recuperação
Repasse de custos?
Apesar dos prejuízos, Perez “acha pouco provável o repasse dos custos ao consumidor”, gerando elevação na conta de internet. “Evidente que é um prejuízo, mas o consumidor não tem culpa do que está acontecendo. Mas sabemos que muitas empresas terão dificuldades de se recuperar”.
A outra fonte ligada ao setor que aparece no início desta reportagem também não acredita em majoração de preços. "Nós não aceitamos aumentar valores, pois os clientes não têm culpa disso".
Outro especialista da área de tecnologia que também preferiu não ser identificado avalia que o mercado de telecomunicações é avaliado como “lucrativo”. Esse seria um dos atrativos para as organizações criminosas.
Esse mesmo especialista corrobora que os impactos são ainda mais duros para as pequenas empresas, mas ele acredita que haverá repasse dos custos para os consumidores após os prejuízos. “Existe um investimento que não é barato e que se amortiza com o tempo, na medida em que as provedoras vão conseguindo clientes. No momento em que essa infraestrutura é danificada, ou a empresa fecha as portas, ou repassa para o usuário, então não se trata de um prejuízo apenas para os investidores, mas para os clientes”.
Cada provedora pequena gera, em média, 10 empregos diretos
O especialista exemplifica que o investimento em aparato tecnológico de uma provedora pequena, que envolve “equipamento de fibra ótica, roteamento e aquisição de link externo”, demora de seis meses a um ano para dar retorno, a depender da carteira de clientes da empresa. “Sem contar toda a operação em campo”, frisa. Uma provedora pequena de internet no Ceará gera, em média, 10 empregos diretos.
“É uma conta que vai chegar para a sociedade e é importante o Estado demonstrar força, porque se não ocorrer isso, a tendência é o agravamento desse cenário. Eu mesmo já fui provedor e, desse lado, eu não teria alternativa a não ser fechar as portas, pois seria arriscado para os funcionários e para mim”, lamenta o especialista.
Na última quarta-feira (12), dois chefes da facção criminosa Comando Vermelho (CV) foram presos por ordenarem ataques criminosos a provedoras de internet. Outros dez suspeitos foram presos por executar as ordens.

Na última semana, em relação ao tema, a Anatel disse que enviaria "esforços para acompanhar os acontecimentos". A reportagem demandou a Anatel para saber atualizações desse acompanhamento, mas a agência disse que, no momento, "não há novidades" que possam ser compartilhadas.
Em nota, a União dos Provedores do Ceará (Uniproce) afirmou que "o desejo de todos os empreendedores do setor" é "poder trabalhar em paz", "levar o sustento" para as famílias, "pagar colaboradores, honrar compromissos e contribuir com o desenvolvimento das comunidades atendidas".
A entidade reforçou que "um ambiente seguro é essencial, permitindo que cada profissional exerça suas atividades com dignidade e tranquilidade". "Seguimos firmes em nosso propósito de levar conectividade de qualidade a todos os cantos do Ceará, sempre acreditando na força do trabalho honesto e no respeito às leis e à sociedade".
Famílias mais pobres podem ter acesso dificultado
Um economista que também preferiu não se identificar lembra que o setor de telecomunicações vem crescendo fortemente no Ceará ao longo dos últimos anos. “Além dos grandes provedores, temos empresas mais locais que estavam crescendo e fazendo a distribuições em regiões não tão acessíveis e a preços mais baixos”.
Ele também acredita que os ataques podem onerar as contas de internet. “Com o que tem ocorrido nas últimas semanas, esses provedores podem acabar saindo do mercado, atrapalhando a concorrência. As empresas que permanecerem vão acabar elevando os preços porque precisarão embutir em seus custos o risco (desses prejuízos). Isso pode dificultar o acesso das famílias, sobretudo de renda mais baixa, à internet”, reforça o economista.
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