Mudam-se os atores, mas o enredo da obra continuará o mesmo. É assim que os especialistas entrevistados pelo Diário do Nordeste avaliam o futuro da Igreja Católica com a renúncia de Bento XVI amanhã e a eleição do novo pontífice em março.
Para estudioso, o que continua em jogo hoje no Vaticano são disputas políticas, num contexto no qual poder, economia, tradições e posições políticas se entrelaçam FOTO: REUTERS
Para o professor da pós-graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo e pesquisador de História da Religião, Thiago Borges de Aguiar, a saída do bispo de Roma não deve abalar a Igreja, que sofre com a queda do número de fiéis ao redor do mundo. Na opinião dele, o que continua em jogo hoje são disputas políticas, num contexto no qual poder, economia, tradições e posições políticas se entrelaçam.
"A Igreja Católica é uma instituição muito adaptável. Nós nos enganamos quando achamos que ela não está adaptada ao mundo moderno. O Vaticano é uma instância política organizada, tecnológica, com uma sofisticada rede de comunicação espalhada pelo mundo, muito bem financiada e sustentada por um imaginário de sacralidade... Se essa renúncia fizer os fiéis perceberem que a Igreja é uma instituição política em primeiro lugar e que a religiosidade não depende exclusivamente dela, isso será um avanço e não um retrocesso", avaliou.
Ineditismo
De acordo com Thiago Aguiar, a renúncia será a principal marca do papado de Bento XVI. O anúncio inédito nos últimos 600 anos após a demissão de Gregório XII, põe em xeque a imagem de um papa vista como um ser sagrado para se contrapor ao espectro cansado do dirigente da mais famosa instituição política do mundo. O fim do papado de Joseph Ratzinger, o segundo pontífice do século XXI, representa, a priori, a derrubada da figura de um papa com mandato eterno, que "no nosso imaginário é um ser infalível, intocável, absoluto".
O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Mackenzie (SP), Rodrigo Franklin de Sousa, acredita, ainda, na hipótese de que a decisão do papa seja percebida como um momento em que a Igreja recupere algo de sua credibilidade e reputação, que tem sofrido muito em anos recentes.
Segundo ele, o legado de Bento XVI é misto e só com o tempo iremos perceber se vai prevalecer uma percepção negativa ou positiva dos quase oito anos em que o cardeal alemão esteve à frente da Santa Sé. No lado positivo, Rodrigo de Sousa destaca o retorno à tradição e à fé histórica dos católicos. No negativo, está uma atitude muitas vezes intransigente e inquisitorial de silenciar vozes dissidentes e a dificuldade em encontrar formas de se comunicar com o mundo contemporâneo, o que prejudicou a comunicação com diversos grupos. "O conservadorismo dele naturalmente seria percebido como problemático em um mundo que rejeita os valores mais tradicionais do catolicismo".
Falhas
Com o objetivo de se manter fiel às tradições e promulgações doutrinárias, o pontífice falhou, de acordo com o professor, no debate de temas como o aborto e a homossexualidade por não conseguir encontrar uma voz que fosse capaz também de conectar com os anseios de uma sociedade cada vez mais complexa e plural. "Ele será lembrado como retrógrado e regressista, mas isso seria inevitável a qualquer um que busque se ater aos dogmas mais tradicionais do catolicismo", afirmou.
Rodrigo entende que, entre os temas polêmicos, o calcanhar de Aquiles foi a omissão de Bento XVI diante das denúncias de casos de pedofilia envolvendo clérigos. Segundo o professor, o papa errou por priorizar a preservação da instituição em detrimento da busca pelo bem das vítimas e solução dos problemas. "Independentemente de quais tenham sido suas motivações, essa implicação prejudicou profundamente seu papado e causou um dado significativo na Igreja Católica, cujas consequências serão sentidas ainda por muito tempo".
Vatileaks
Na opinião do professor Thiago de Aguiar, o escândalo do vazamento de documentos secretos, conhecido como "Vatileaks", que apontava uma forte resistência na Cúria romana em relação às medidas de transparência exigidas pelo pontífice também pode estar relacionado com sua demissão repentina. "Quando ele afirma estar cansado, eu acredito nisso. Mas esse cansaço é justamente do tamanho que as coisas tomaram. Ele não tinha mais idade para aguentar a pressão política que sofria", declarou o estudioso, vislumbrando que o novo papa vai, sim, enfrentar essa questão, mas estará longe de resolvê-la.
Segundo Rodrigo de Sousa, a descoberta dessa rede de corrupção e os outros escândalos da Igreja só podem ser enfrentados de forma clara, direta e sem concessões pelo novo papa. "Acredito que esta é a única forma de a igreja reparar os danos que a tem assolado e restaurar sua reputação. Qualquer leniência nesse momento só irá prejudicar ainda mais a Igreja".
Para cardeal, instituição precisa de reformas
Londres O cardeal Cormac Murphy O´Connor, ex-chefe da Igreja Católica na Inglaterra e Gales, considera necessário que o próximo papa reforme e renove a Igreja. Para o ex-arcebispo de Westminster, o sucessor de Bento XVI tem que ser "capaz de executar as reformas e a renovação necessárias na Igreja".
"Temos que colocar ordem na própria casa do papa", disse Murphy O´Connor em uma entrevista coletiva. "Como vocês sabem, aconteceram problemas nos últimos anos", acrescentou.
No momento em que o conclave se prepara para escolher um novo pontífice após o anúncio da renúncia de Bento XVI, várias controvérsias vêm à tona.
Na última segunda-feira foi anunciada a renúncia do arcebispo Keith O´Brien, líder da Igreja Católica da Escócia, acusado de "conduta inapropriada" por vários religiosos. O´Brien não participará da eleição do novo papa.
O cardeal, conhecido pelas opiniões contrárias aos homossexuais, é acusado de ter mantido "comportamentos inapropriados" nos anos 80 com três padres e um ex-coroinha, segundo o jornal "The Observer".
O´Connor chamou O´Brien, que rejeita as acusações, de "homem muito honesto". "Estes assuntos serão investigados", completou, antes de afirmar que o escândalo é "muito prejudicial" para a Igreja Católica da Escócia.
Os abusos cometidos por padres constituem ainda um dos temas pendentes da Igreja.
JULIANNA SAMPAIOREPÓRTER
Postada:Gomes Siilveira
Fonte:Diário do Nordeste
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